O Corvo e a Raposa - O Galo e a Raposa - La Fontaine

O Corvo e a Raposa - Fábulas de La Fontaine, 1867, Ilustração de Gustav Doré

O Corvo e a Raposa

(Gabiru Literatura, versão baseada na de Bocage, a seguir)

Conta-se que estava o corvo
Num galho empoleirado,
Com um queijo, sem estorvo,
No bico atravessado. 

De longe, com arguto faro,
Veio a raposa matreira,
E em tom meio raro,
Lhe falou desta maneira: 

“Caro corvo, meu bom dia singelo.
Que plumagem deslumbrante!
E será teu canto tão belo,
Como o da fênix impressionante?

Na pressa de se exibir
O corvo muito animado,
Abriu o bico sem refletir.
E lá se foi o queijo cantarolado.

Agradecendo a refeição,
disse a raposa ao corvo confuso:
"Vale um queijo a lição,
Guarde esta para o teu uso".

O corvo, incomodado com o ardil,
Viu-se um tolo em confiar nela
Mas a experiência lhe serviu
Para não cair em outra esparrela.

O Corvo e a Raposa - Fábulas de La Fontaine, Ilustradas por Gustav Doré
v. 1, Lisboa: David Corazzi, 1867, p. 81-82.

O Corvo e a Raposa

(BOCAGE, 1765-1805)

É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado,
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.

Pelo faro àquele sitio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:

"Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra phenix, se acaso
Tens a voz como a figura!"

A tais palavras o corvo
Com louca, estranha afoiteza,
Por mostrar que é bom solfista
Abre o bico, e solta a presa.

Lança-lhe a mestra o gadanho,
E diz: "Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.

Esta lição vale um queijo,
Tem destas para teu uso."
Rosna então consigo o corvo,
Envergonhado e confuso:

"Velhaca! Deixou-me em branco,
Fui tolo em fiar-me nela;
Mas este logro me livra
De cair em outra esparrela."

O Galo e a Raposa - Fábulas de La Fontaine, 1867, Ilustração de Gustav Doré

O Galo e a Raposa

(J. I. de Araújo)

Empoleirado num sobreiro antigo,
Fazia um velho galo sentinela.
Uma raposa disse-lhe "Irmão e amigo,
Venho trazer-te uma notícia bela.

Nas nossas dissensões lançou-se um traço
E acaba de ser assinada a paz geral;
Desce, que quero dar-te estreito abraço
E juntamente o beijo fraternal!

- Amiga, diz-lhe o galo, folgo imenso;
Não podia esperar maior delícia!...
Vejo dois galgos a correr, e penso
Que são correios da feliz notícia.

Foge a raposa sem dar mais cavaco;
E o galo sentiu intimo consolo,
Pois é grande prazer ver a um velhaco
Entrar espertalhão e sair tolo!


Nas Fábulas de La Fontaine, a raposa é frequentemente representada como um símbolo de astúcia, esperteza e sagacidade. Ela é a personificação do personagem enganador, aquele que usa da inteligência, do charme e da manipulação para alcançar seus objetivos, muitas vezes à custa dos outros. Em suas fábulas, La Fontaine usa a raposa para ensinar lições sobre desconfiança, prudência e a importância de não se deixar levar pelas aparências e pelos elogios fáceis.

Fables Choisies. Jean de La Fontaine. BNF. 1759, coleção Gallica.

Características da Raposa nas Fábulas de La Fontaine:

  1. Astuta e Enganadora: A raposa é conhecida por ser inteligente e usar truques para enganar outros animais, como o corvo na famosa fábula "O Corvo e a Raposa". Ela é especialista em manipular situações a seu favor, usando elogios falsos, promessas vazias e outras artimanhas.

  2. Charmosa e Persuasiva: La Fontaine retrata a raposa como uma figura que consegue convencer e persuadir com palavras doces e atitudes que parecem gentis, mas que escondem intenções egoístas.

  3. Oportunista: A raposa é uma oportunista nata, sempre à procura de uma chance para tirar proveito das fraquezas dos outros. Ela está sempre de olho em uma oportunidade para se beneficiar sem precisar trabalhar duro.

  4. Símbolo de Prudência e Malícia: Nas fábulas, a raposa ensina sobre a importância de ser cauteloso e não confiar cegamente nas intenções alheias. Ela representa a malícia e a prudência que os seres humanos também devem adotar para evitar cair em armadilhas.

Imagem Visual da Raposa:

Visualmente, a raposa é retratada com traços clássicos: pelagem avermelhada ou laranja, cauda farta e felpuda, olhos astutos e orelhas pontudas. Ela é muitas vezes desenhada com uma expressão sorridente ou maliciosa, indicando sua personalidade astuta. Nos desenhos, a raposa aparece esbelta, ágil e sempre em posição de alerta ou em ação, como se estivesse tramando algo.

Em resumo, nas fábulas de La Fontaine, a raposa é mais do que um simples animal; ela é uma metáfora para o comportamento humano, mostrando que a astúcia e a esperteza, se usadas sem escrúpulos, podem trazer vantagens temporárias, mas também podem levar a consequências negativas para si e para os outros.



Monteiro Lobato (1882-1948) publicou em 1922, Fábulas, um livro escolar no qual deu nova roupagem a várias fábulas de Esopo, Fedro e La Fontaine. Lobato não se limitou a traduzir e adaptar fábulas clássicas, ele as reescreveu, usando elementos bem brasileiros, onomatopeia e outros recursos poéticos que agradam as crianças. 

Inovador e irreverente para a época, Monteiro Lobato, às vezes, invertia a célebre moral da história, como na sua versão da fábula A Cigarra e a Formiga, que ele denominou A Cigarra e as duas Formigas, arrematada com a frase "Os artistas - poetas, pintores, músicos - são as cigarras da humanidade." (veja aqui o post atualizado)

O tom jocoso (sobre alguma autoridade da época) lhe trouxe críticas e dissabores dos adultos, mas também lhe garantiu a afeição das crianças. 




Fábulas. Monteiro Lobato. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia, 1922, p. 31-32





 

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