Mitologia - Mythology

The Three Fates, or The Triumph of Death, tapeçaria holandesa, c. 1510-1520 
As Moiras (em grego: Μοῖραι; Moerai) na mitologia grega, ou Parcas (na mitologia romana, Parcae, eufemisticamente "as poupadoras"), são as três deusas fiandeiras encarregadas de tecer, enrolar e cortar o fio do destino de deuses, heróis e mortais.
Cloto (Κλωθώklothó), que em grego significa "girar", segurava o fuso e girava para tecer o fio da vida e atuava como deusa dos nascimentos e partos, ou ainda, tinha as funções de reger a gestação e o nascimento; 
Láquesis (Λάχεσιςláchesis) em grego significa "sortear", desenhava a sorte ao puxar e enrolar o fio, ajustando sua extensão, ou ainda, era responsável pelo crescimento e desenvolvimento; e 
Átropos (Ἄτροποςátropos) em grego significa "inexorável" (literalmente "o que não torna"), cortava o fio do destino, determinando portanto o final da vida.

As Moiras foram descritas na antiguidade, ora como mulheres de aspecto sinistro, com longas unhas e dentes grandes, ora, ao contrário, foram representadas como lindas donzelas, como na tapeçaria holandesa do século XVI, reproduzida acima.

No poema Teogonia (theos, deus + gonia nascimento), que narra a genealogia dos deuses gregos, Hesíodo (séc. VIII a.C.) apresenta as Moiras como filhas da Noite:
A Noite deu à luz o Destino assustador e o negro Fim
e a Morte, e deu à luz também o Sono, e ainda toda a raça dos Sonhos.
[...]
E gerou as Moiras e as Keres, que castigam, impiedosas
[Cloto, Láquesis e Átropo, que aos mortais, à nascença, concedem o que é bom e o que é mau],
que perseguem os delitos dos homens e dos deuses,
deusas cuja cólera terrível não cessa
até infligirem um castigo ao culpado, seja ele quem for.
The Three Fates, tondo by Hans Vischer, c. 1530
Kunstgewerbemuseum, Berlim
Há quem afirme que, durante seu trabalho, as Moiras usam a Roda da Fortuna para enrolar o fio do destino. As voltas da roda posicionam o fio de cada indivíduo no alto (o topo) ou em sua parte mais baixa (o fundo), explicando deste modo os períodos de boa ou de má sorte.
The Three Fates, gravura de Giorgio Ghisi, 1558-59 
Na RepúblicaPlatão se refere às três Moiras como filhas de Ananke (ou Necessidade) e atribui a elas o canto do passado, presente e futuro:
O fuso girava nos joelhos de Ananke, deusa da Necessidade. No cimo de cada um dos círculos, andava uma Sereia que com ele girava, e que emitia um único som, uma única nota musical; e de todas elas, que eram oito, resultava um acorde de uma única escala. Mais três mulheres estavam sentadas em círculo, a distâncias iguais, cada uma em seu trono, que eram as filhas da Necessidade, as Moiras, vestidas de branco,  com grinaldas na cabeça — Láquesis, Cloto e Átropos  as quais cantavam ao som da melodia das Sereias, Láquesis, o passado, Cloto, o presente, e Átropos o futuro.
No vídeo a seguir, veja como se forma o fio, na mão hábil da fiandeira, a partir do tufo de algodão (ou linho), que é torcido no girar do fuso:
Da arte milenar de fiar resulta a arte de tecer, sendo Penélope a representante mais célebre da literatura clássica, modelo de caráter e de conduta. Filha do príncipe espartano Icário, Penélope se casou com Ulisses, rei de Ítaca, herói imortalizado no poema épico Odisséia, de Homero, que narra sua longa jornada de volta para casa, muitos anos após a Guerra de Tróia:
Ulisses e Penélope não haviam gozado sua união por mais de um ano, quando tiveram de interrompê-la, em virtude dos acontecimentos que levaram Ulisses à Guerra de Tróia. Durante sua longa ausência, e quando era duvidoso que ele ainda vivesse, e muito improvável que regressasse, Penélope foi importunada por inúmeros pretendentes, dos quais parecia não poder livrar-se senão escolhendo um deles para esposo. Penélope, contudo, lançou mão de todos os artifícios para ganhar tempo, ainda esperançosa no regresso de Ulisses. Um desses artifícios foi o de alegar que estava empenhada em tecer uma tela para o dossel funerário de Laertes, pai de seu marido, comprometendo-se em fazer sua escolha entre os pretendentes quando a obra estivesse pronta. Durante o dia, trabalhava nela, mas, à noite, desfazia o trabalho feito. É a famosa tela de Penélope, que passou a ser uma expressão proverbial, para designar qualquer coisa que está sempre sendo feita mas não se acaba de fazer. 
 (In: BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia. RJ: Ediouro, 2000, p. 222-223)

Assista ao vídeo sobre a invenção da máquina de fiar e do tear mecânico, muito interessante para imaginar as drásticas transformações pelas quais passaram as artes artesanais de fiar e tecer com a industrialização:

Na versão em prosa da Odisséia, de Homero (SP, Abril Cultural, 1981, p. 174-175), no Livro XIX, Penélope relata seus pesares ao mendigo estrangeiro, sem suspeitar que o hóspede era o próprio marido disfarçado:
Estrangeiro, o que outrora me distinguia, a formosura e a nobreza de meu porte, tudo isso os deuses destruíram, quando os Argivos, e entre eles meu esposo Ulisses, partiram para Ílion. Se ele voltasse para cuidar de minha vida, maior e mais bela seria a minha glória. Mas agora tudo para mim são tristezas: tanto são os males com que a divindade me oprime! Todos os chefes que reinam nas ilhas, em Dulíquio, Same e na arborizada Zacinto, ou que habitam em Ítaca visível ao longe, todos me pretendem contra minha vontade e me consomem os bens. Por isso, tudo me é indiferente: hóspedes, suplicantes, arautos que estão a serviço do povo. Saudades, só as sinto de Ulisses; só elas me comovem o coração. Os pretendentes urgem minhas núpcias, e eu defendo-me com o tecido de minhas artimanhas. Primeiramente, um deus inspirou-me a ideia de armar, em meu aposento, um grande tear e ir tecendo um véu sutil e comprido; e imediatamente lhes disse: "Jovens meus pretendentes, o divino Ulisses pereceu. Mas, não obstante vosso desejo de apressar meu casamento, esperai até que eu tenha concluído este véu, destinado a servir de mortalha ao herói Laertes, no dia em que ele sucumbir ao golpe funesto da cruel Morte. Que não se percam todos estes fios. Que não diriam contra mim as mulheres Aquéias, indignadas por terem visto enterrar, privado de mortalha, um varão que possuía tantos bens!" Assim lhes falei; e eles, a despeito da altivez de ânimo, concordaram. Desde então, durante o dia, lidava na imensa teia; e, de noite, à luz das tochas, desmanchava-a. Por esta forma, consegui, durante três anos, encobrir meu ardil e trazer enganados os Aqueus. Mas, quando chegou o quarto ano, e os meses, rodando, trouxeram a estação primaveril e os dias compridos, então os pretendentes, advertidos por minhas escravas, por estas cadelas que nada respeitam, colheram-me de surpresa e acremente me censuraram. E assim, contra minha vontade, não tive outro remédio senão terminar a teia. Agora não posso evitar esta união, nem sei que mais inventar: meus pais instam para que me case; meu filho se impacienta, por ver que lhe devoram o patrimônio, com conhecimento dele, porque já é homem capaz de governar o que é seu, e Zeus lhe dá o nobre sentimento de sua dignidade. Seja como for, dize-me qual a tua raça e a tua pátria; pois não penso que tenhas nascido de um carvalho lendário ou de um rochedo.
Dora Wheeler, The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Acesse aqui o estudo da revista Classical Inquiries, publicação de estudos clássicos da Universidade de Harvard (em inglês) "Penelope’s great web: the violent interruption", de Ioanna Papadopoulou (2016). 

As Moiras e Penélope podem ser consideradas, portanto, o repositório clássico e paradigmático da arte milenar de fiar e tecer (o destino, o tempo, a narrativa), mitos que influenciaram e continuam a povoar o imaginário de adultos e crianças. A Odisséia de Penélope (The Penelopiad, 2005), por exemplo, da escritora canadense Margaret Atwood, mais conhecida pelo livro O Conto da Aia (The The Handmaid’s Tale, que virou uma série de sucesso), é mais um fio acrescentado a essa longa tradição narrativa.
A tecelagem de Penélope tem tudo a ver com a fidelidade: essa trama feita e desfeita é seu ardil com vistas a reservar-se para a volta de Ulisses. E sua fidelidade é condição para o reencontro. Penélope: a fidelidade por um fio. E nessa linha de astúcias, e de fios, e de tramas, há toda uma tradição, na Grécia, de mulheres fiandeiras. Penso em Pandora (a primeira mulher), tecelã, que aprendeu a arte das fiandeiras com a deusa Atena, cujo epíteto é exatamente Atena Penitis, a "tecelã". Mas há também Aracne, que desafia a deusa Atena na arte da tapeçaria e acaba transformada em aranha; e Ariadne, que fornece a Teseu o fio com que ele enfrenta o labirinto. E há as Parcas [Moiras], que tecem a trama dos destinos humanos. Todas, mulheres.

(In: MENESES, Adélia Bezerra de. As Portas do Sonho. SP: Ateliê Editorial, 2002, p. 75.)
A mitologia greco-latina deu origem à longa tradição de histórias de fiandeiras e tecelãspersonagens que também aparecem nos contos de fadas. Quem não se lembra da Bela Adormecida, que caiu em sono profundo após espetar o dedo numa roca de fiar? Há também as três fiandeiras, deformadas pela lida de muito fiar, mulheres que aparecem nos contos populares de vários países, como o conto 14, "A Maldita Fiação do Linho", dos Irmãos Grimm. Mas tais histórias ficarão para o próximo post.

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