Omelete de Amoras
Esta velha história, conto-a àqueles que agora gostariam de
experimentar figos ou Falerno, o borscht
ou uma comida camponesa de Capri.
Era uma vez um rei que chamava de seu todo o
poder e todos os tesouros da Terra, mas, apesar disso, não se sentia feliz e se
tornava mais melancólico de ano a ano. Então, um dia, mandou chamar seu
cozinheiro particular e lhe disse: — Por muito tempo tens trabalhado para mim
com fidelidade e tens servido à mesa os pratos mais esplêndidos, e tenho por ti
afeição. Porém, desejo agora uma última prova de teu talento. Deves me fazer
uma omelete de amoras tal qual saboreei há cinquenta anos, em minha mais tenra
infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso vizinho a
oriente. Este acabou vencendo e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia,
meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta escura. Nela vagamos e estávamos quase
a morrer de fome e fadiga, quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava
uma vovozinha, que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria,
porém, ido se ocupar do fogão, e não muito tempo depois estava à nossa frente a
omelete de amoras. Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me
maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração.
Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no
benefício daquela comida deliciosa. Quando mais tarde mandei procurá-la por
todo o reino, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse
preparar a omelete de amoras. Se cumprires agora este meu último desejo, farei
de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, então
deverás morrer. — Então o cozinheiro disse: — Majestade, podeis chamar logo o
carrasco. Pois, na verdade, conheço o segredo da omelete de amoras e todos os
ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sem dúvida, conheço o
verso que se deve recitar ao bater os ovos e sei que o batedor feito de madeira
de buxo deve ser sempre girado para a direita de modo que não nos tire, por
fim, a recompensa de todo o esforço. Contudo, ó rei, terei de morrer. Pois,
apesar disso, minha omelete não vos agradará ao paladar. Pois como haveria eu
de temperá-la com tudo aquilo que, naquela época, nela desfrutastes: o perigo
da batalha e a vigilância do perseguido, o calor do fogo e a doçura do
descanso, o presente exótico e o futuro obscuro. — Assim falou o cozinheiro. O
rei, porém, calou um momento e não muito tempo depois deve tê-lo destituído de
seu serviço, rico e carregado de presentes.
BENJAMIN, Walter. Rua
de mão única. Obras Escolhidas II. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1995, p.
219-220.
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