Discussão 1 - "Leitura para..." não é literatura

Leitura para... dormir... não é literatura infantil.
  
O Coelhinho Que Queria Dormir de Carl-Johan Forssén Ehrlin (The Rabbit Who Wants to Fall Asleep) foi publicado em 2011, em sueco, e logo se alastrou por vários países, prometendo aos pais que sua leitura faria as crianças dormirem. 
  
Embora, na edição brasileira (Companhia das Letrinhas, 2015), as ilustrações de Silvana Rando tenham muito mais graça e leveza (ao contrário da edição europeia), o objetivo utilitário do livro persiste: ler 30 páginas para fazer uma criança dormir. O texto é muito repetitivo e chato ("dormir já" e "muito cansado" são mantras): um coelhinho que tenta dormir e não consegue, então ele vai visitar o Senhor dos Bocejos (encontra outros bichos no caminho), é ajudado e volta para casa para dormir. Com voz modulada em tom calmo e bocejos em momentos estratégicos, como o autor recomenda aos pais, dá para ler até bula de remédio, certo? Se a criança irá dormir, ou não... depende de cada criança, do ambiente, de cada dia. Nos sites das livrarias virtuais há avaliações positivas e negativas sobre a obra. O livro aparece também no YouTube, em vídeos que prometem fazer dormir, alguns com música de fundo, mas a melhor leitura deste livro na web é a de Juliana Censi Pintor no podcast da SoundCloud. Quer testar?


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 Clique Aqui para ouvir a bela leitura que Berta Paiva faz de um trecho de O Coelho que Queria Dormir, na Déjà Lu livraria de Cascais, Portugal.
Déjà Lu é uma livraria solidária, que reúne e vende livros usados e doados em prol de crianças com trissomia 21 (ou síndrome de Down). Eles fazem um trabalho bem bacana de incentivo à leitura.

Obviamente a hora de dormir pode ser tema da literatura infantil, só não precisa ter uma abordagem utilitária e chata. Conheça, por exemplo, A Casa Sonolenta (Editora Ática, 1999), de Audrey Wood e ilustrações de Don Wood (em inglês, The Napping House - que significa casa do cochilo), livro lançado em 1984. Com a técnica da acumulação, explorando a sonoridade das palavras na caracterização das personagens (em inglês, Snoring Granny, Dreaming Child, Dozing Dog, Snoozing Cat, Slumbering Mouse, Wakeful Flea) e ilustrações bem humoradas em sintonia com o texto a soneca dos personagens enrola e desenrola, isto é, todos dormem, um após o outro, cada um com seu som peculiar, um em cima do outro, depois todos despertam, um de cada vez.
Muito cansado e bem acordado de Susanne Strasser (Companhia da Letrinhas, 2017) é outro livro que aborda a hora de dormir com graça. Usa onomatopeias e também a técnica da acumulação, privilegiando o ponto de vista da criança com lindas ilustrações.
Já o livro pop-up Todo mundo boceja (Brinque-Book, 2017) não se concentra na ação, sem enredo, traz apenas descrições dos bichos, com destaque para a boca de cada um que, com manejo do leitor, abre e fecha para simular o bocejo. E se o bocejo pode ser contagiante... quem sabe o livro pretenda lembrar os pequenos que é hora de dormir, e isto fica só uma sugestão.

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